Por Luiz Otávio da Silva – Pesquisador e pós-graduando em história
Após a “descoberta” do que hoje honrosamente chamamos Brasil, e até o ano de 1535, capturavam-se por aqui índios das mais diversas tribos para serem usados nas tantas e lucrativas atividades de exploração dos nossos ricos e abundantes recursos naturais. A escolha de uso da força humana dos povos primitivos do Brasil como recurso exploratório deu-se por alguns motivos: eles conheciam o território a ser explorado, estavam à disposição de forma “gratuita”, não havia do outro lado do Atlântico homens suficientes e dispostos a enfrentar uma longa e desgastante viagem de navio para quando chegassem aqui, enfrentar os múltiplos e penosos trabalhos, não enquanto trabalhadores sem remuneração.

Além dos recursos naturais, era preciso (assim pensavam, assim foi) que mão de obra também estivesse disponível de forma gratuita. Esse sistema de escravidão ocorreu como primeira opção no início da colonização do nosso território. Os índios eram capturados por homens que incursionavam o interior da Colônia. Essas incursões eram as chamadas “bandeiras”. Após a captura, os índios eram vendidos a quem pudesse comprá-los. Outra forma de obtenção de mão de obra indígena escrava era através do espólio de guerras entre tribos rivais. Quando uma tribo era derrotada em uma batalha, os vencidos eram entregues, pelos vencedores, aos portugueses.
Mesmo com a desumana exploração escravagista dos índios brasileiros por longos anos, os portugueses que na época se achavam donos de tudo e de todos por aqui, acusavam os indígenas de serem preguiçosos. Como a prática da escravidão já era negócio lucrativo na Europa, no mundo Árabe e na África como a compra, venda, contrabando e o transporte de pessoas escravizadas movimentavam verdadeiras economias no velho mundo. Rapidamente um novo sistema escravagista alcançou as terras brasileiras e um novo povo escravizado chegou em solo Tupiniquim já a partir de 1535. Mesmo com a introdução dos negros africanos escravizados na Colônia, os indígenas ainda continuaram por longo tempo, engrossando uma parte do processo escravagista colonial do Brasil.

Somente no século XVIII é que a mão de obra escrava indígena foi abolida. A escravização do negro africano ou então a ser mais lucrativa ainda quando religiosos portugueses como os jesuítas, aram a protestar contra a exploração do índio e começaram a proteger as aldeias já catequizadas. Criado o então comércio/contrabando do povo negro africano sob as águas do Atlântico até o Brasil, cerca de cinco milhões de indivíduos foram despejados nos portos brasileiros ao longo de anos. Dados ainda mais assustadores devem ser destacados, pois o número de pessoas que eram embarcadas nos navios de escravizados nos portos africanos era ainda maior. Estima-se que um terço desses humanos morriam durante a viagem tão bárbara. Por isso, esses navios que traziam os escravizados, também eram conhecidos como “tumbeiros”, pois se transformavam em verdadeiras tumbas para essa parte tão numerosa de pessoas que a morte, fiel companheira de viagem, recolhia, em meio aos amontoados nos porões dos navios sob as águas salgadas do oceano. “Ontem plena liberdade, A vontade por poder, Hoje… cúmulo de maldade, Nem são livres pra morrer…” (Castro Alves)
Não demorou muito para que o lucrativo comércio de escravos chegasse também às Minas Gerais. De acordo com Alisson Eugênio, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Alfenas-MG, em Minas Gerais, a demanda por escravos foi abundante. Entre o início da década de 1720 e meados da década de 1730, foram arrastados para o interior do país mais de 50 mil africanos. Somente em Vila Rica, o contingente de cativos saltou de 6.721 em 1716 para 20.863 em 1735. Isso somente em Vila Rica. Em várias outras regiões do estado também ocorreu uma crescente e desordenada negociação de escravo. Mesmo com o grande controle que havia por parte da Coroa, em muitos lugares, vários comércios de escravos foram abertos nas Vilas e seus arredores, bastava que ali existissem quaisquer atividades econômico-lucrativas.
Após o ano de 1535, quando chegou a Salvador o primeiro navio de escravizados, seria necessários mais 353 anos para que Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, ou simplesmente princesa Isabel, de posse de uma caneta medindo 22 centímetros e 13 gramas de ouro 18, com cabo em forma de pena de pássaro com uma fileira de 27 diamantes e 25 pastes (vidros usados em joias antigas) avermelhados, confeccionada especialmente para a da Lei Áurea e utilizada uma única vez; assinasse a referida lei.

símbolo do Movimento Abolicionista. Capa da “Revista Ilustrada”. Julho de 1888.
Sobre a ilustração acima: “Tudo começou com o português José de Seixas Magalhães, à época da libertação dos escravos. Seixas possuía uma chácara no bairro carioca do Leblon, que nem de longe era um dos endereços mais nobres e caros do país. Pelo contrário, o Leblon era um local inóspito e de difícil o. O lugar que abrigaria a chácara foi comprado do francês Charles Le Blon (daí o nome do bairro). Ele era, inclusive, dono de todas as terras da região. Na chácara, José Seixas cultivava flores, camélias em sua maioria, e com a ajuda de escravos fugidos. Isso porque nosso bom e destemido português, sob o amparo dos principais abolicionistas do Rio de Janeiro, acolhia escravos fugidos. Por isso, a tão bucólica chácara era conhecida como Quilombo do Leblon. As camélias, por isso, se tornaram símbolo do movimento abolicionista. Ela adornava a lapela dos homens e o colo das mulheres que se empenhavam para que os escravos fossem definitivamente libertados. Era uma espécie de código de identificação entre os abolicionistas, principalmente na hora de auxiliar os escravos em fugas ou para lhes conseguir esconderijos.” (https://www.petropolis.rj.gov.br/petropolisdapaz/index.php).

Ainda no final do século XIX, na Real Villa de Queluz, compravam-se escravos, vendiam-se escravos das mais diversas habilidades, isso porque havia na região os mais diferentes tipos de trabalho, eram garimpos, lavouras, mineração etcetera. Em 1872, de acordo com o Recenseamento Geral do Império, o Termo de Queluz (sede e distritos) possuía no mesmo ano 13.995 escravos (Fonte: Arquivo Público Mineiro).
Em meio a tantas e variadas torturas físicas, as quais nenhum estudo pôde, ainda que exaustivamente, demonstrar com qual intensidade era o sofrimento, outras muitas eram praticadas contra os negros escravizados. Havia violência sexual contra mulheres, homens e crianças; a exploração sexual de negras cativas por meio da prostituição e as proibições de práticas culturais como batuque, considerada a “dança mais desonesta”, “já várias vezes condenada pelos bispos em seus capítulos de visitas, e retomada por Dom Frei José em sua agem pela freguesia de Queluz” (VISITAS PASTORAIS DE DOM FREI JOSÉ DA SANTÍSSIMA TRINDADE. 1821-1825

Em relação à prostituição a que eram submetidas as cativas, afirma Alexandre Rodrigues de Souza, professor da Universidade Estadual do Paraná, que o meretrício foi uma realidade no território minerador durante o Setecentos. Mas esta atividade muitas vezes foi confundida com outros comportamentos sociais mais visíveis, como o concubinato, os ‘ratos ilícitos’, o adultério ou as relações entre pessoas desiguais. Ainda segundo Souza, a prática social de sexo era um meio de adquirir recursos, num contexto de economia mineradora e escravista, onde havia grande circulação de riquezas. Essa prática de exploração sexual veio desde o início da segunda metade do século XVIII, como se encontra nos registros do Arquivo Eclesiástico de Mariana.
Havia na Freguesia dos Carijós em 1753, cativas que viviam “soltamente” pelas ruas. Duas delas, foram acusadas de ‘públicas’ e ‘escandalosas meretrizes’, mas quando ganhavam alguma coisa cá fora, os senhores as ajudavam a comer. Como se não bastasse, muitos dos negros escravizados, eram ainda, em meados do século XIX, comercializados por ciganos. Entretanto, a Postura da Câmara Municipal da Villa de Queluz (1829-1830) já proibia que ciganos comercializassem escravos nessa Villa.