Covid-19 mata sete vezes mais crianças no Brasil do que no Reino Unido

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Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG, publicada na última quinta-feira, dia 10, na revista The Lancet Child and Adolescent Health, traçou o perfil das crianças brasileiras hospitalizadas com covid-19. Entre os principais achados, fatores como vulnerabilidade social e o reduzido à saúde pesaram tanto quanto as comorbidades para o pior prognóstico dos pacientes brasileiros na comparação com estudos feitos em outras partes do mundo.

Desigualdades sociais impactam desfechos da doença em crianças brasileirasTV Brasil | Agência Brasil

A investigação foi conduzida pelos professores do Departamento de Pediatria Eduardo A. Oliveira, Ana Cristina Simões e Silva e Maria Christina Lopes, com a participação do professor Enrico Colosimo, do Departamento de Estatística (UFMG), dos docentes da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) Hercílio Martelli-Júnior e Daniella Barbosa Martelli, do pesquisador Robert Mak, da Universidade da Califórnia San Diego, e da estudante da Faculdade de Medicina e bolsista da iniciação científica pelo CNPq Ludmila R. Silva.  

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Foram analisados dados de mais de 80 mil crianças internadas em hospitais brasileiros em 2020 com suspeita da doença. Destas, 11.613 tiveram comprovação laboratorial da infecção pelo Sars-CoV-2 e foram incluídas na análise. Trata-se da maior coorte pediátrica de covid-19 já publicada até o momento. O estudo foi financiado com recursos da Fapemig e do CNPq.

Em primeiro lugar, a alta taxa de mortalidade no Brasil chamou a atenção dos pesquisadores. Enquanto uma coorte prospectiva no Reino Unido com crianças hospitalizadas indicou mortalidade de 1% (todas com comorbidades), no estudo feito com dados do Brasil, esse índice foi de 7,6%. Na avaliação dos pesquisadores, os poucos recursos disponíveis para a assistência à saúde, incluindo a pequena disponibilidade de UTIs pediátricas, podem ter impactado esse quadro. A pesquisa analisou apenas dados de crianças hospitalizadas, ou seja, que contraíram formas moderadas e graves da doença.

Entre os fatores de risco para maior mortalidade, foram identificadas a idade, a etnia, a macrorregião geográfica de origem e a presença de comorbidades. Em relação à idade, a mortalidade foi maior entre menores de dois anos e em adolescentes (12 a 19 anos). Pacientes das regiões Nordeste e Norte do país também tiveram maior risco de desfecho adverso, na comparação com os da região Sudeste. Crianças indígenas apresentaram ao menos o dobro de risco de morte em relação às de outras etnias. Outro aspecto observado foi o aumento progressivo da incidência de mortes com base no número de comorbidades, ou seja, o risco do desfecho negativo é maior a cada doença pré-existente a mais.  

Para os pesquisadores, os resultados revelam que, no Brasil, as desigualdades sociais pesam nos desfechos de covid-19 tanto quanto as comorbidades na faixa etária pediátrica. Nenhum outro estudo sobre o tema valeu-se de uma população pediátrica tão grande.

Vigilância da gripe

As informações foram extraídas do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), banco de dados nacional com pacientes dos sistemas público e privado. O Sivep foi criado na época da epidemia de H1N1, em 2009. Com o advento da pandemia de covid-19, ficou estabelecido que ele deveria ser o sistema para registro de todos os casos da doença que evoluem com desconforto respiratório.

Os dados são de domínio público e incluem internações em hospitais públicos e privados de todo o país. A equipe da pesquisa extraiu do sistema todos os casos confirmados de covid-19 referentes à população pediátrica (menores de 20 anos), entre 16 de fevereiro de 2020 e 9 de janeiro de 2021. Dos 82.055 pacientes pediátricos listados no sistema durante o período do estudo, 11.613 (14,2%) tiveram a infecção por Sars-CoV-2 confirmada em laboratório e foram incluídos na amostra. 

No grupo de pacientes com diagnóstico comprovado para o novo coronavírus, 886 (7,6%) morreram no hospital (em média seis dias após a issão  na unidade), 10.041 (86,5%) receberam alta do hospital, 369 (3,2%) estavam internados no momento da análise, e não havia informações sobre desfecho em 317 casos (2,7%). A probabilidade estimada de morte foi de 4,8% durante os primeiros 10 dias após a internação, 6,7% nos primeiros 20 dias e 8,1% ao fim do estudo. 

De acordo com os pesquisadores, os desfechos foram mais favoráveis nas regiões Sudeste e Sul, cujas populações têm mais o a UTIs. O estudo concluiu também que a população indígena é muito vulnerável à covid-19, tanto em relação ao tratamento quanto à prevenção.

Após a publicação do artigo, a professora Ana Cristina Simões e Silva participou de podcast da revista Lancet, com análises sobre o estudo (clique para ouvir, em inglês). Também foi publicado comentário editorial de autoria dos pesquisadores Cesar Victora e Oscar Mujica. A equipe já trabalha na avaliação do impacto da covid-19 em pessoas com doenças e comorbidades específicas, como indivíduos transplantados ou com doenças crônicas.

Fonte: UFMG

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